Aprendi a arte
de te reconhecer na pradaria,
na magia dos canteiros floridos,
na frescura das cascatas,
no calor do sol de agosto.
A arte de te saber sempre por perto,
porque o teu amor de mãe é eterno,
e o meu de filho também.

As mães cheiram a limonete.
A alfazema. A amor.
E é na eternidade do seu amor que nos abraçam
de lá, da imensidão do Paraíso,
onde se entretêm a brincar umas com as outras,
às escondidas de nós.
Mas basta o suspiro de um filho
e é vê-las, vindas sabe-se lá como,
a embalar-nos a saudade.

Francisco José Rito



SEGUNDA SESSÃO - 25 DE NOVEMBRO DE 2023


 

 

Joaquim Agostinho Miranda, prefaciador do livro “À procura do azul das coisas” de Francisco José Rito, foi locutor da Rádio Vizela e da Rádio Fundação.Atualmente integra o departamento comercial de uma grande multinacional. De uma conversa sua com o autor, surgiu esta (quase) entrevista:


"A poesia inspira o poeta ou o poeta inspira-se num desalinhamento com a poesia?"

- É o poeta que se inspira em momentos e sentidos nem sempre reais, nem sempre poéticos, porque as vidas nem sempre são belas. São por vezes ásperas, duras, cruéis.Ver poesia no rojar dos dias é privilégio de uns quantos, por mais tristes que os dias sejam. Ou não fosse a dor a maior musa.


Quinze livros publicados, maioritariamente poesia e apenas um romance. Como se vê o Francisco enquanto escritor?"

- Um eterno inconformado, com quase tudo por dizer, sem se prender a géneros.

"Se hoje parasse de escrever, como definiria a sua obra literária?"

- Tudo o que escrevi até hoje poder-se-á comparar a uma casa inacabada. Se parasse agora de escrever ficaria a obra sem telhado, sem portas, sem janelas, e com tantas histórias por idealizar, na sala, no quarto, na varanda, no jardim. Por idealizar e por contar! Sorrisos por despertar. Dores por sarar.

"O que ainda lhe falta dizer em prosa ou poesia?"

- Tantas coisas... Ainda não falei do inenarrável. Da agonia dos cumes da serra, vilmente açoitados pelos ventos de inverno. Do prazer das margens regadas pelos ribeiros, frescura que penetra a terra com a voracidade de quem faz um filho. Da insegurança do amante sucumbido ao êxtase.


"Quando refere que desafiava os autores nas entrelinhas, significa que a sua audácia para a escrita nasceu pelo impulso de mostrar uma outra forma de abordar a literatura?"

- Recordo esse tempo e acho-me incapaz de impor ou mesmo sugerir o que quer que fosse. Talvez a irreverência falasse mais alto. Ou talvez esta insaciedade já me habitasse na época.

"Depois desta espécie de resumo da obra publicada o que lhe apetece fazer a seguir?"

- Falar mais da nossa gente, principalmente dos castigados por este Portugal tão desigual. Seguir nesta cruzada de dar voz aos que a não tiveram. Que ainda a não têm! Estou neste momento a contar a história de uma mulher que se atreve a mexer no destino e paga bem caro o atrevimento. Mas, sobre isso falaremos depois...






 

A GALOPE ENGULO OS DIAS


Esmago palavras

nas minhas mãos fechadas.

Escorre-me pelos dedos

a seiva acre de poemas

que não ouso escrever.


A galope engulo os dias.

Ardo por dentro. E os pés

em brasa tatuam pegadas

na estrada da solidão.


O ventre da terra

desfaz-se em horas ocas.

O rio ruma à nascente, buscando

uma brecha para recomeçar.


Francisco José Rito



CONVITE:

 - Na mesma linha de tantos eventos que já organizei nesta terra, esta será uma sessão informal, sem grandes floreados, porque a rainha da noite será a poesia.
- O professor Paulo Amorim fará o favor de apresentar a obra.
- A leitura e interpretação estarão a cargo de alguns alunos do Agrupamento Escolar da Murtosa.
- O último coelho mantém-se na cartola, a aguardar confirmação.
NO CRM DA MURTOSA, DIA 4 DE AGOSTO ÀS 21:30
Até lá, abraço-vos!



PERDIDOS

Um dia acordamos secos
e órfãos da fonte que nos saciava.

Os choupos cresceram e arderam
indiferentes ao carpir das nossas dores.
A canção que embalava ainda ecoa
mas calou-se a voz que a cantava.

Por vezes soltamo-nos das horas mortas
e cruzamo-nos com os resquícios
da felicidade que julgámos eterna.

Escrevo-te no sótão da casa
que não construí ao fim do caminho.
Ruíram as paredes por erguer
à espera da cor que nunca escolhi.

Felizes os capazes
de inventar um regaço
ou o par de braços abertos
que dificilmente encontrarão
quando a fresta da memória
apenas reflete os sorrisos
das tardes de infância.

Francisco José Rito



UM CARDO DISFARÇADO DE ALFAZEMA


Esta ânsia que sinto

é janela aberta

para um prado

sem cores e sem cheiros.


É uma miragem

um rosto

uma voz nos longes

um roce imaginado

um cardo disfarçado

de alfazema.


Esta ânsia que sinto

é um carreiro estreito

que acaba num muro

mais alto que o sol.


Nele me embrenhei

coração órfão

de gargalhadas roucas

e outros mimos.


Nele me perdi

nesta ânsia de perseguir

sonhos proibidos

e outras sinas.


Francisco José Rito




O amor é coisa para se perpetuar na alma


Se eu te pedisse

para me resgatares às malhas da insónia

saberias procurar-me na apatia da noite?


Penso que nem notarias

o desalento das horas mortas

em que o sol nos castiga e se esconde,

negando-se a corar-te as faces.


É mais seguro pensar-te sempre a meu favor

como as rosas brancas que nunca destoam

ou a brisa que refresca a planície sem derrubar os girassóis.


Prefiro acreditar

que se te rasgasse as paredes do peito

e te arrancasse o coração,

tu continuarias a amar-me

porque o amor é coisa

para se perpetuar na alma

e não na carne regressada ao pó.


Se eu te pedisse

para leres este poema

saberias decifrar os meus recados?


Francisco José Rito



 

 NÃO TE CALES

Não te cales
onde ouvires silêncio
faz do olhar faróis a encandear
o negro das crateras
e sorri quando não vires
o fundo ao mar que se adivinha
não te cales
onde ouvires ruído
fala sempre mais alto
que os passos que te seguem
ou os uivos que te afligem
não te cales
perde o sangue em praça
se for esse o teu destino
mas não te permitas
esconder nos atalhos do medo
ou que a morte te venha
de onde a não vejas.

Francisco José Rito



 

Fascínio


De grãos de areia

construo a nossa casa.

De frutos ruivos

visto os nossos dias.

Grão a grão, pétala a pétala

embriago-me do fascínio

que é viver para ti.


Francisco José Rito




 

O PRIMEIRO BEIJO


A lua

cerrou as cortinas

e recolheu-se

deixando a noite

à cumplicidade

dos amantes.


As casas

as árvores

a ponte

o rio


todos nos observavam

expectantes.


Não é fácil

disfarçar o embaraço

do primeiro beijo.


Francisco José Rito




E ASSIM NASCE O POEMA

 

A bruma

polvilha de prata

a melancolia da noite


a saudade entra

pela janela aberta

a soluçar queixumes

ao ouvido do poeta


e assim

inevitavelmente

nasce o poema.


Francisco José Rito




 

Um breve segundo


Um segundo

é o tempo que demora o sorriso

a florescer-te nos lábios


num segundo

as palavras voam-te da boca

e circundam-me, mandarins coloridos

cantando ao desafio com os raios de sol

que te arruivam o rosto


um breve segundo

lapso de tempo em que mergulhas

no azul dos meus dedos

e o teu corpo desabrocha

como as hortênsias de maio.


Francisco José Rito



ÂNSIA


Qual semente esquecida

anseio um raio de sol

uma leiva macia

uma manhã de bruma

o abrigo de um cômoro

uma cama de trevo

onde me deite contigo

até à metamorfose prometida


Francisco José Rito








GRITOS DE BOCA

Cansámos a lua de tanto espreitar
a nudez dos nossos beijos
naquele serão molhado e frio

o mar cantarolava
a mais bela canção
desfile de vagas sorrateiras
babujando a falésia

os beijos, gritos de boca
rasgando o véu do silêncio
desfazendo-se nos lábios
como o sargaço nas coxas

e depois o êxtase
a explosão de estrelas nos corpos cálidos
e os olhares afogueados como tochas
a incendiar a escuridão da noite.

Francisco José Rito



O QUE FUI REINVENTOU-SE

Dói-me o corpo em brasa
de planar sobre a lava quente
do vulcão que sou, em erupção
o que fui esqueceu-se de o ser
nada mais me habita
do que este prazer de levantar voo
quando outros querem manter-me
de pés amarrados à muralha
o que fui reinventou-se
o que devia ao mundo
paguei-lhe com esta vontade de viver
mesmo quando a vida é um saco de nada
atirado para os fundões da incerteza.

Francisco José Rito
(fotografia de António Borges da Silva)



 

FOSSES TU SERRA


Fosses tu serra

e eu subiria ao cume mais alto

para espreitar o infinito nos teus olhos

ou catar estrelas nas tuas faces ruivas


bradaria aos céus os versos que me inspiras

pássaros nadando no veludo dos teus lábios

peixes voando nas tuas mãos abertas

crianças brincando no azul dos teus sonhos


fosses tu serra

e eu seria primavera. E em ti pintaria

páginas de vida, antes que o inverno

caiasse o oiro dos teus cabelos.


Francisco José Rito




 

ABRAÇO AS PALAVRAS QUE DEIXASTE

(a Eugénio de Andrade, no dia do seu centenário)


Os teus versos despertam-me a alma

entardecida. Doiram-me o olhar

como os malmequeres no chão de abril


fecho os olhos e distingo-os

no chilrar dos melros nos ciprestes

cantando ao mundo os teus amores

e outras dores


abraço as palavras que deixaste

guardadas nos ninhos de andorinha

à espera do beijo que faça a primavera

acontecer nas bocas que não beijaste.


Francisco José Rito






 OIÇO-TE


Oiço-te

voz de água fresca

que me escorre, fugaz

pelos socalcos da pele


sussurro de vento

a amaciar-me

a inquietação da carne


ternura, ensejo

de pássaro que alvora

ao adormecer da lua


oiço-te

bocejo sorrisos

e deixo-me dormir. 


Francisco José Rito



O FOGO DA CARNE


Zarpemos na jangada azul

ao encontro da joia prometida


bebamos da taça exposta no altar do sangue

vertendo prata sobre os mais primários impulsos


morremos e entramos no céu dos amantes

quando mergulhamos no fogo da carne

e descobrimos os segredos que nos queimam


e com as nossas mãos construímos

a noite, a casa e a cama

onde nos rendemos à fúria do desejo.


Francisco José Rito




PROCURA


Repetimo-nos nos sonhos

à procura do quadro perfeito.

Buscamos a plenitude das coisas

e tantas vezes perdemo-nos

nessa incessante procura.


Francisco José Rito

(imagem da Maggie Luijer)




 A IDADE ETERNIZOU-NOS NO INTERIOR DAS HORAS


Sorvo esta convicção

de que todas as ruas me levam a ti.

Que és a ponte para todas as margens,

sereia que (en)canta em todos os mares.


O trânsito parou nos labirintos da procura.

A idade eternizou-nos no interior das horas,

felicidade cinzelada no mais puro mármore

num relógio do tempo feito à nossa medida.


Há nos nossos beijos de fim de tarde

a robustez de um campo de papoulas

debruando-nos o azul dos lábios

com raios de sol poente e sabor a vinho novo.


Francisco José Rito




 

HAVEMOS DE SER SEMPRE MUDANÇA


Que sabemos da nudez do sol

que se espreguiça à flor da nossa pele dolente

sem saber com que voz choramos os íntimos prazeres?


Que sabemos do temor

que nos impele o ávido desejo

de sermos felizes depois da tempestade?


Que sabemos do pranto

dos lençóis da cama naufragada

nas tormentas de todos os bojadores?


E de nós, que sabemos?

Que a cada amanhecer regressamos ao inferno

de cabeça pousada na almofada de arame farpado,

urdida a ferro e fogo e a sonhos desfeitos.


Sabemos que para sobreviver teremos de ser mudança.

Que havemos de ser sempre mudança!


Francisco José Rito






FLUTUA NO OURO DOS DIAS E SORRI
Viaja até onde te leve a imensidão do olhar
e não pernoites aonde não sonhares.
Planta a semente no húmus da alma
e espera que os sentidos floresçam
embalados pelos aromas da tarde.
Flutua no ouro dos dias e sorri
enquanto o mar tece as ondas
que faltam para naufragares.
Corre tudo o que puderes
pinta-te de todas as cores
mas depois sossega, respira e ama
pois é ao fim do caminho
que os afetos se agigantam.
Francisco José Rito




 

ATÉ À PLENITUDE


Guardarei na memória

as faces morenas da tarde

com o tempo a abrir caminho

para o Éden prometido, mareando

um barco que ancorará à minha porta.


Os sinos tocam trindades

e ouvem-se sussurros e preces

como quem desfia contas de um rosário

(é a maciez dos lábios quentes

como os raios de sol de agosto

a engomar-nos o linho do desejo).


Nunca mais os sinos chorarão queixumes

sem que eu recorde o diluvio que te escorre da nuca

inundando-te os seios, o ventre e as coxas.

Nunca mais o vento soprará suão

sem que eu sinta o esvoaçar dos teus cabelos

a enxugarem-me o peito.


E agora que a lua te deu um nome de lagoa

nadarei na serenidade do teu azul

para lá de todos os feitiços,

até à plenitude.


Francisco José Rito




BOA NOITE AMOR


O azul atordoante da tarde

invade as horas que me faltam

para enlouquecer.


Em breve serei sacrificado

no altar-mor da purificação.

Treze virgens arrastar-me-ão

por becos de luxúria

nu como o milhafre

que sobrevoa a praia

no latejar do crepúsculo,

disfarçado na transparência do mar.


Depois a lua galopará

pelo meu corpo,

o vento soprará tresloucado

nas veias sofrerei tempestades

tsunamis e naufrágios

e no ventre mil punhaladas

de todos os amantes que traí.


E assim, em carne viva

despojado de todos os pudores

deixarei que me possuam,

que me esquartejem e me suguem

as últimas gotas de sangue e de sémen

antes que a maré me arraste e me devolva

ao conforto dos teus braços.


Boa noite amor!


Francisco José Rito