CARTA


Diz-me, amor

onde guardaste o cordão de sorrisos que te dei

esses que procuras quando me aproximo

e tu estremeces, pálido como os pensamentos

que me levam sempre fora de horas, ao lugar errado.


Diz-me onde escondeste

o verde humedecido dos teus olhos

tão verdes e tão vivos

como a bruma amanhecida nas folhas de malva.


A quem enviaste as cartas que escreveste

páginas cheias de recados por mim ditados

que tu sorvias como quem guarda

o profundo e abstrato da incógnita.


Longa vai a noite e nós acordados

à procura de sentidos novos para velhas palavras

as mesmas de sempre, já sem sangue.


Isto que nos aflige são ânsias

suspiros febris que rugem

como a linha de fogo que ameaça nos longes

que parece detida no impossível

mas que nos alcança num sopro.


Nunca saberei dizer-te

que na tua ausência me sobram lamentos.

Que sucumbo a todos os pecados.

Que ignoro a alvorada e os pássaros e os canteiros

e tudo o mais que a vida me nega.


Amor, amor… Morreremos no sonho

se não nos desejarmos com a mesma raiva

que o vento chicoteia as noites de inverno.


Francisco José Rito

(a Eliane Ypersiel ilustrou)




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