DESPEDIDA


Escrevo-te ao canto da sala

de uma casa mal construída

e desarrumada.


São seis da manhã.

O relógio de parede demitiu-se do seu propósito

mas lá fora os galos avisam que o dia acordou.


Espreito pela janela

e deixo o olhar estilhaçar-se

contra o desalento das árvores nuas de dezembro.

Seus troncos disformes

parecem ruínas, escombros pintados

da cor dos amantes perdidos

na incompatibilidade da carne.


Vê como sorriem os homens desta história

tímidos como os pássaros

que procuram refúgio nas árvores nuas.

Vê-os sentados à beira do destino

remendando as brechas da sua miséria.

Falta-lhes tempo para chorar a sorte.

Sobra-lhes pernas, mas falta-lhes chão!


Observo-os, barquinhos azuis

ancorados no rio que banha a minha aldeia,

águas que correm e escorrem o sangue

a tantas promessas que a vida lhes fez...


Não sei há quanto tempo

não crescem cidades na minha cabeça!

Urge resgatar as memórias que o tempo comeu.

Romper estradas, plantar jardins

desenhar a lua no céu apagado

e estrelas a saltitar por cima dos prédios.

Urge pintar os barcos de outras cores

pois nem só no azul se constroem sonhos.


Escrevo-te porque abri a janela

rasurei a timidez dos pássaros

e eles cresceram dentro de mim.


Quando voltares já eu terei voado, sorridente

como o petiz que se despede do baloiço da infância

na hora de mudar para uma ilusão ainda maior.


Francisco José Rito




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