NOCTURNO
Faço-me do sal deste mar que me açoita
e me funde, agreste, em todas as falésias,
a espalhar-me os sentidos em redemoinho
pelos fartos grãos da areia crua e fria.
Faço-me da voz de um poeta amordaçado.
Canto-me diluído em suspiros roucos,
em versos nunca antes inventados,
em pensamentos proibidos e adiados.
Faço-me da resignação do barco naufragado
na praia deserta de gritos e de preces.
Dos braços afogados na esperança
dos que esperavam a ventura de abraçar.
Faço-me da lágrima que transformo em canto.
Esse canto de chorar a dor parida pelas horas
redondas em que me principio e me termino,
nesta noite curvada de saudade e de pranto.
Faço-me de mim. E de mim planto desejos
repartidos por alvoradas que escasseiam.
Tudo sinto. Tudo entendo. E aceito a morte,
como o condenado aceita o fio da guilhotina.
Francisco José Rito
(imagem: Sandra Cinto)
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