ERA DIA DE FESTA

A Ria enchia-se de Moliceiros,
engalanados, vaidosos,
cheios das gentes marinhoas
que a cruzavam, em procissão.

As velas multiplicavam-se
desde Mira até Ovar.
 
Cada barco trazia
os cheiros da sua aldeia.
As suas merendas.
As suas cantigas.

Era dia de festa!
Eram foguetes a estalar!
As concertinas, as violas,
as pandeiretas e os realejos a tocar
e o povo a cantar:
 
"Ó marinhão traz a bateira
vamos todos em excursão
ao São Paio da Torreira"

E os homens obedeciam...
Trocavam os farrapos encardidos do campo
ou as flanelas curtidas de salmoura
pelo fato preto de romaria.
 
O cantil bem atestado,
a cair do ombro, preso por uma tira de couro
ou o garrafão empalhado,
cheio de tinto, do bom,
que havia de matar a sede ao rancho.

Elas traziam na alcofa
o que de melhor havia na dispensa:
os rojões,
o frango frito,
os chouriços cozidos,
os robalinhos de escabeche,
os bolinhos de bacalhau
e a broa, cozida na véspera, que para
a comer dura já bastavam os outros dias.
Tudo bem aconchegado
e coberto com a melhor toalha de linho,
porque na hora de estender a esteira,
as vizinhas tinham "mais olhos que barriga".

O retrato não era igual para todos.
Os mais humildes, esses
contentavam-se com tremoços e
azeitonas, pão de milho,
chouriço cozido ou umas talhadas de toucinho
curado no sal, a dividir por todos.

Mudavam também as vestimentas
consoante as posses de cada um,
mas ricos ou pobres,
a festa era de todos.
 
A borda d'água enchia-se de vida e de cor.
Os painéis das embarcações
rendilhavam as margens
e os cantares lavavam as mágoas de quem os ouvia.

Eram dois dias de folia
com desgarradas e rusgas
e danças de roda, desde a Ria até ao mar.

E ao outro dia,
com namoro novo, ou sem ele
as raparigas adoravam o santo,
pedindo-lhe protecção.
 
E os rapazes, depois da procissão,
banhavam-no com o que sobrasse do tinto,
para que em terra as colheitas fossem boas
ou na ria os ventos corressem de maré.

Ao fim da tarde
era chegada a hora do adeus
e as águas tornavam a encher-se
de véus brancos, qual desfile nupcial.
Um a um, os panos perdiam-se de vista,
esquivando-se pelo labirinto de canais
e de esteiros, onde os últimos foguetes
davam sinais da chegada a casa.

Barco amarrado e o resto do farnel comido,
tempo ainda para uma última moda, já no cais.
E cada um rumava ao seu lar, onde a labuta esperava.
 
Os mais velhos, marotos, perguntavam-lhe:
- De onde vindes, cachopas?!
E elas respondiam, tristonhas: vimos da festa...

poema de Francisco José Rito
imagem: Aguarela de Alfredo Morais


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