Qual é o teu valor de mercado?

Gosto de ver os administradores das nossas empresas públicas a explicarem o motivo de ganharem ordenados milionários. Ponho-me a fazer contas e dou conta que, entre o ordenado, subsídios e ajudas de custo, alguns deles levam para casa a módica quantia de 3000 euros por dia.

Segundo eles, e comparando-se a alguns jogadores de futebol, atores de Hollywood, cantores famosos e outros iluminados, estes números justificam-se pelo seu "valor de mercado".

Oiço-os, e fico a pensar: Qual é o teu valor de mercado, Pai? Tu que – apesar dos teus 80 anos – acordas todos os dias por volta das seis e meia da manhã, para ires trabalhar para a horta. Quando voltas a casa, para dares o pequeno-almoço à Mãe, já trataste dos porquitos e das galinhas, já regaste algum leirão de feijões, os tomates, as alfaces, as couves… porque – como tu repetes mil vezes – “é de manhã que se começa o dia”...

Pegas na bicicleta e voltas para a horta, até ao meio dia. Não te falta terra para cavar, ervas para limpar, sementes para cultivar.

Depois do almoço – que muitas vezes ainda vens fazer – a rotina mantém-se, até ao fim da tarde. São pelo menos doze horas de labuta diárias.

Quando é preciso, seja verão ou inverno, pegas na bateira, a remos, porque o motor de borda apodreceu sem que tu aprendesses a trabalhar com ele – mas não tenhas vergonha, porque eles também precisam de um condutor – e atravessas a ria, para apanhares uma “bateirada” de lenha para a lareira, ou de “arrolado”, para fertilizares as sementeiras.

Apesar de te ter sido proibido, ainda vais à “caldeirada”. Quando a coisa corre bem, dá para a casa, para os filhos, para os netos e para os vizinhos.

Tudo isto, para receberes os 340 euros que te dão de reforma. E não te queixas, Pai!

Afinal qual é o teu valor de mercado, Pai? E o da Mãe, que fez milhares de quilómetros a pé, com a canastra à cabeça? E os anos que andou nas secas do bacalhau? E na monda do arroz? Tantos anos de trabalho e nem a uma reforma teve direito.

E apesar de tudo, ao contrário das que são geridas por eles, a vossa empresa fecha o ano com saldo positivo. Regra geral, todos os meses vos sobram sempre uns trocados.

E apesar de tudo, continuam – tu e a Mãe – a votar, em todas as eleições. A acreditar nos bandidos que vos roubam e vos humilham. Tu, a Mãe, e os 5 milhões, 585 mil, 252 que votaram nas últimas legislativas.

E o resto dos portugueses continuam a assistir ao descalabro, apáticos, em vez de se juntarem umas centenas, com paus e pedras, e irem um dia a São Bento, sem ninguém saber, correr com aquela escumalha toda de lá para fora.

E, porque de Belém a São Bento são meia dúzia de passos, e as cepas por lá são as mesmas, cortava-se logo o mal todo pela raiz...

Francisco José Rito