Culinária portuguesa - a importância da fidelidade


Vi há dias uma reportagem que se debruçava sobre o futuro da culinária portuguesa e não consegui evitar de me rir com algumas afirmações ali proferidas.
Assiste-se ultimamente a uma emergência sem precedentes de Chefs de Cozinha portugueses, cujo valor não discuto, até porque não perco tanto tempo assim a analisar os seus percursos.
Na reportagem em questão, pelos menos dois deles fizeram questão de ostentar os títulos, mas isso sinceramente não me impressiona.
Em qualquer profissão, são os profissionais que fazem os cursos, e não o inverso. Um diploma da escola A ou B não é um certificado de qualidade, seja qual for a profissão.
O que sim discuto é a postura integra com que a defende, assim como a forma com que defende o que é nosso, principalmente numa profissão que caminha de mãos dadas com as tradições populares.
Analiso um Chef de Cozinha não apenas pela assiduidade com que vai à televisão ou aparece nas revistas cor-de-rosa, nem pela escola onde se formou, ou pelos malabarismos que utiliza na preparação dos seus pratos (uma cozinha não é o Cirque du Soleil), nem mesmo pela lista de espera que tem na agenda do restaurante onde labora. Analiso-o pelo conhecimento que demonstra em relação à nossa cozinha e sobretudo à nossa cultura, porque ambas estão (quer queiramos, quer não) interligadas.
Valorizo o empenho em se especializar nas nossas receitas tradicionais, em estudar a sua origem e evolução ao longo dos tempos. Isso sim, é ser-se especialista de culinária em qualquer país e era isso que deveria contar para o maior ou menor prestigio de um profissional de cozinha.
O resto são truques de marketing, com mais ou menos sorte à mistura e a menor ou maior capacidade de vender a alma ao diabo, muitas vezes.
Por exemplo, um Chef que lança uma receita onde sugere a utilização de uma marca de tomate enlatado em vez de tomates naturais, porque está a ser patrocinado pela marca, não é um Chef, é um vendedor.
Temos grandes profissionais no ramo da culinária e restauração que ninguém conhece e que nem por isso são inferiores aos que aparecem todos os dias na comunicação social. E ninguém duvide que são esses, e foram os seus mestres e os mestres dos seus mestres, os criadores e guardiões daquilo a que hoje podemos chamar a nossa culinária.
Todos reclamam uma maior divulgação da gastronomia portuguesa a nível internacional, mas parece-me que alguns se esquecem serem eles as ferramentas mais importantes nessa campanha. Parecem esquecer que o reconhecimento da cultura gastronómica de qualquer país só será possível através da preservação e a divulgação da sua cozinha tradicional. Foi assim com a Franca, com a Itália, com a China, com o Japão, com o México e tantos outros que poderia aqui mencionar.
É essencial mantermos fidelidade às nossas raízes e trabalhar com o que temos, que prima pela qualidade e nada fica a dever aos considerados melhores.
Eu defendo quem cria, desde que não estrague o que outros fizeram. A cozinha de autor é muito interessante, mas engane-se quem achar que ainda existem lâmpadas por descobrir. O que se cria hoje é sempre inspirado naquilo que há muito se faz, e ao que outros já fizeram chama-se Cozinha Tradicional.
É isso que muitos profissionais desta nova onda de Chefs portugueses parecem não querer admitir. Esta tendência é típica na nossa sociedade, principalmente nas gerações mais recentes, que tende sempre a valorizar o que vem de fora, em desprimor do que é nosso e que é bom.
Alguns destes Chefs que reclamam a internacionalização da nossa gastronomia são os mesmos que, quando convidados a representar Portugal em qualquer certame internacional, vão para lá com truques e tiques que nada têm a ver com a nossa culinária. Esquecem-se que as cozinhas famosas internacionalmente, alcançaram esse prestigio por nunca terem admitido estrangeirices.
Chamam comida saloia às nossas caldeiradas, aos nossos ensopados, esquecendo-se que, tirando os grelhados (que são universais), 90% da culinária portuguesa é comida de panela. Mas essa nunca nos representa lá fora! É certo que não os podemos considerar pratos com muita estética, se os compararmos com outras cozinhas, mas são os que nos identificam, são muito bons e não envergonham ninguém. Os aromas e os sabores são o mais importante e estão lá.
Nem todos os pratos conhecidos mundialmente são tão esteticamente apelativos como os da culinária francesa, mas não deixam de ser famosos e bons (não confundir com o ser-se apenas famoso). Sendo certo que "os olhos também comem", ninguém duvide que o mais importante será sempre o sabor. Os estrangeiros provam a nossa Caldeirada à Fragateiro, a nossa Feijoada à Transmontana, os nossos Rojões à Minhota, o nosso Ensopado de Borrego, o nosso Cozido à Portuguesa e lambem os dedos, mas a maioria dos nossos Chefs não os promovem, por os considerarem "pratos saloios".
Em Novembro passado, a Chef Luísa Fernandes, uma portuguesa a viver na América, ganhou um prestigiado concurso de cozinha em Nova Iorque, competindo ao lado de grandes nomes da praça, apresentando um Gaspacho e um prato de Bacalhau com Grão.
Foi um grande sucesso, mas muitos dos nossos Chefs nacionais achariam-no saloio, para concorrer num certame internacional.

Francisco Vieira

9 comentários:

  1. Bom dia
    Agora que estou em casa, passo uma parte na cozinha. Não invento nada, mas gosto dos nossos pratos e já aprendi a fazer uma saladita e a cozer um arroz branco....
    O teu artigo está óptimo e seria bom que esta rapaziada os lesse, mas como não tens essa sorte vais vendo as aldrabices e outros malabarismos que se fazem por aí.
    Sabes amigo que apreciar um bom prato não é para todos. O importante para alguns é "enfardar"
    Essa coisa de grandes Chefs...também questiono.

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  2. Como dizia o bom e velho gerreiro CHACRINHA, um apresentador de programa de TV aqui do Brasil - NADA SE CRIA. TUDO SE COPIA - e eu vou mais além, se copiasse estaria bom... na verdade destroem o que de cultural existe acabando, muitas vezes com a identidade de um povo.

    No Brasil também acontece muito disso.

    Beijinhosssssssssss

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  3. Olá Francisco

    Como sabes é sempre com muito agrado que leio os teus posts. Se esse trata de cozinha e defende a nossa cultura, como é teu hábito quer em textos quer em receitas, então nem se fala. Sem duvida alguma e seria muito bom que todos nos consciencializássemos disso, que a nossa cozinha em nada fica atrás de todas as outras, pelo contrário, tomara a muitas outras ter a sua riqueza.

    Estou contigo, tende-se, ao invés do que seria útil e correcto, a enaltecer as outras em desprestígio da nossa que essa sim, poderia muito bem servir de base a muitas das outras e não se apercebem (esses) que "chapéus à muitos..." mas que nem todos têm a mesma qualidade e sobriedade.

    Em 1997, estive a convite do Sheraton-Hotel, em Lisboa, a fazer 10 dias de comida tradicional Portuguesa (Arouca). Posso dizer-te que o balanço feito nesses dez dias, foi que a afluência quadruplicou. Não foi concerteza pelos meus lindos olhos ou pela fama dos meus dotes culinários, cozinheiro humilde no anonimato, mas pela simplicidade e sobriedade dos pratos lá apresentados que variaram entre o simples arroz de sardinha (com tomate do campo) ao prato pobre do lavrador, o Entulho (combinado de produtos hortícolas da época, macarrão e as primeiras carnes da salga e primeiros chouriços do fumeiro, que depois de fazerem uma boa e suculenta sopa, viriam a fazer um prato principal, forte e aprazível).

    As papas de vinha de alho (farinha de milho, carnes, bucho, tripas de riça, nabiças, nabos, feijão), as pataniscas, os pastelões de salpicão (ovos, broa de milho, um fio de azeite e salsa), as trutas em folha de couve, as vogas em escabeche, o "Rei" nas suas mais variadas formas, as saborosas carnes de Vitela e Cabrito da região, etc.

    É claro que houve inovação e criatividade, é necessário haver! Através dela atendemos às necessidades actuais na alimentação e prestamos homenagem à fenomenal criatividade ancestral, ás vivências de então, às nossas RAÍZES, não descaracterizando esse tão valioso legado.

    Criatividade na inovação, porque não nos convençamos que vamos criar algo de novo, poderemos sim conceber algumas combinações agradáveis e assinalo aqui duas que foram servidas e apreciadas

    -Rolo de bacalhau que nada mais é que uma apreciação aos bolinhos ou pasteis de bacalhau, ao delicioso puré de batata que na região se come e ao efeito delicioso do azeite fervido com alho, na espécie

    -A Galinha do Campo ao Forno que consiste em despojá-la de todo o seu interior mantendo intacta a sua pele, que de novo a fará galinha armada agora com farinha de milho torrada como sub-rede, que irá absorver as suas gorduras para lhas fornecedor de novo durante a assadura e evitar que a pele estale, conservando-lhe a elasticidade para que se recomponha ao formato natural, outra camada e de novo em todo o seu redor, de esparregado e por fim formando uma espécie de núcleo, toda a sua carne, já desfiada e cozinhada. Vai ao Forno a tostar a pele e adquirir de novo a sua forma de galinha e serve-se com frutos cristalizados flamejados no próprio cognhac em que estiveram em efusão e enfeita-se, para lhe não retirar o cariz, com meia dúzia de batatinhas assadas.

    Tudo isto para dizer o quê? Que devemos de ter a hombridade e humildade de aceitar que necessitamos nós muito mais da cozinha tradicional, a nossa enciclopédia, do que a mesma de nós. E nos preocuparmos sim em levar alem fronteiras algo que temos de nós muito especial e que deliciará quem venha a conhecer.

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  4. Francisco
    Antes de comentar...posso servir-me um pouco de aletria...eu tiro dos cantinhos para não estragar a travessa...
    De resto...ESTOU CONTIGO!! A mania do estrangeirismo, da cozinha francesa ( que também tem coisa boas) e dos pratos decorados com duas azeitonas, um molho a fazer rabiscos e já repetitivo e...no meio um montinho de qualquer coisa que não chega nem para a cova de um dente....
    Bendito seja o meu arroz de feijão que comi agora com uns jaquinzinhos mini-mini....
    Beijocas
    Graça

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  5. Bom Dia querido amigo,

    Saloio é não mostrar tudo o que a gastronomia Portuguesa tem de melhor... tem um restaurante Português há uns seis quarteirões aqui de casa, descobri faz poucos tempo, fica lotado tanto durante a semana como no fim de semana.
    Bem, deixo-te dois beijos. Um de ontem e um outro para hoje com carinho, respeito e admiração.
    Pat.

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  6. Boa tarde meus caros!

    Ontem o tempo não me permitiu responder individualmente aos vossos comentários como gosto de fazer e agora também já não o farei, porque julgo que já passou o tempo.

    Obrigado pela vossa presença sempre assídua e bom fim de semana a todos.

    Francisco

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  7. Eu sou um leigo nestas matérias; apenas cozinho o essencial e gosto de improvisar...~
    Mas tenho a minha opinião sobre aquelas pessoas a quem se chama "Chefs": chefes são os bons cozinheiros da cozinha tradicional, seja portuguesa ou de outra região. Pode ser muito interessante apresentar pomposamente um certo prato, com um nome cheio de galicismos (de preferência), com imensas coisas que só se vendem em lojas especiais e que no final têm uma apresentação toda janota, apesar de eu ficar logo desconfiado com a pouca fartura do que o prato traz para a mesa.
    Mas, o que conta num bom restaurante é uma cozinheira que saiba as velhas receitas tradicionais e são esses os pratos que se comem.
    faz-me lembrar os desfiles de moda com aquele vestidos que deslumbram o olhar mas que ninguém compra...
    Arranja-me aí um bom polvo à lagareiro, pode ser, Francisco?

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  8. João, já aqui publiquei uma receita de polvo grelhado, a que chamam polvo a lagareiro, mas que de lagareiro não tem nada. Se encontrares o post vais perceber.

    Abraco

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  9. Anónimo8/12/12

    Boa tarde a todos, especialmente ao dono deste blog (pois também gosto de me enfiar na cozinha e fazer invenções sem me pôr com grandes rodeios). Antes de maais, quero dizer que não sou chef, não tirei nenhum curso de culinária e até sou algo trapalhona se não fizer as coisas quase a passo de caracol e com tudo à mão, mas o certo é que, nessas condições, quase de certeza que sai obra asseada!
    O facto de existirem cada vez mais "chefs-armados-em-carapaus-de-corrida" é algo que também a mim me dá cabo do nervoso, não só do miudinho, mas também do graúdo! E o pior é que todos eles publicam livros de receitas, cada uma com um título maior do que o outro, com braseados, e camas disto e daquilo, e mais uma lista de ingredientes medonha, metade dos quais temos de descobrir aonde os ir desencantar.
    Sinceramente, nunca me deu para comprar nenhum desses livros, mas se tivesse de o fazer, a minha escolha não seria nem Avillez, nem Sá-Pessoa, nem nenhum desses que inventam e descaracterizam a nossa tão boa alimentação. Ou iria para o Jamie Oliver, que faz pratos simples e não se põe com disparates (para além de conhecer a nossa culinária, pois já chegou a fazer pastéis de nata), ou para a Filipa Vacondeus ou até para algo do género "Cook yourself thin" (confesso que tenho um desses exemplares). Não há nada como os pratos simples de fazer e que dão pouco trabalho!
    Agora, quanto ao facto de 90% da nossa culinária ser "comida de panela", creio que não será assim tanta! Então e os pratos de forno? E os peixinhos na brasa, no Verão, que sabem tão bem nos restaurantes do litoral, à beira-mar? Nos states seja o peixe que for, grande ou pequeno, eles só o sabem aproveitar para fazer "fish and chips"! Aqui o caso já muda de figura...! Quem já não comeu (ou melhor, saboreou) um robalo ou um goraz assado no forno, com batatinhas?Não é comida de panela, pois não? Tudo bem, é um prato familiar - e algo caro, principalmente o goraz, apesar de ser muuuuuuuito saboroso- mas é feito no forno e apresentado numa TRAVESSA!
    Agora, se os pseudo-chefs acham que a nossa gastronomia é pirosa, saloia, ou lá o que lhe quiserem chamar, quanto a mim, eles que metam as opiniões dele num sítio que todos nós sabemos (mas como sou bem-educada, não faço semelhante comentário). Mas é por essas e por outras que não conseguimos ser internacionalmente reconhecidos lá fora! E que cada vez menos se investe na nossa culinária, e mais nos franchisings americanos e indianos, israelitas, brasileiros... Creio que tudo se resume às influências desses chefs, que vão aprender lá fora e acabam por desvalorizar o que é realmente deles-e às tantas, nem a história dos nossos pratos conhecem!
    Também sou adepta de um bom hambúrguer ou uma boa pizza, mas prefiro fazer tudo em casa e saborear depois, porque assim sei o que coloquei, se está no prazo ou não e se me fará menos ou mais mal. E quanto a fast-food... prefiro comida rápida! No meu blog perceberá o que isso significa, pois tenho várias dicas para um prato ficar pronto em menos de nada! Algumas coisas são "comida de panela", outras nem por isso.
    E por agora creio que é tudo, já torturei demasiado os cozinheiros da nova geração (porque não passam disso) e já provei que não podia estar mais de acordo consigo, meu caro Francisco. Se quiser espreitar o blog "plurifacetada" no portal "WEBNODE" (dedicado a criação de blogs), verá algumas das minhas predilecções quando estou inspirada e não me apetece ter preocupações com a linha...
    Quanto aos utilizadores que comentaram... façam o mesmo, porque at´+e podem dar e tirar algumas ideias! Obrigada!
    Atenciosamente,

    Maria Gabriela Dias

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Obrigado pela visita. Este espaço é seu. Use e abuse, mas com respeito, principalmente por quem nos lê. Francisco