VIDAS

Era Agosto
e em Agosto os poemas nascem loiros,
pintados com os tons tangerina de fim de tarde.
O poeta enrolou-se no verde das margens
e sentou-se, à espera que a maré subisse
e lhe lavasse os pés,
num roce refrescante,
qual água que sacia o peregrino.
Beijaram-no o burburinho das vagas,
o ranger das bicicletas,
o praguejar dos cachopos;
batalhões de sons e de sentidos
a saudá-lo em procissão.
O poeta fechou os olhos para se ver,
e viu dentro de si todo o universo.
Sentiu o fervor de todas as paixões,
o punhal de todas as traições,
a inquietação de todos os mistérios!
O céu desfez-se em pássaros de várias cores
que o cobriram num véu lustroso de penas,
para que os raios tangerina o não tisnassem
e o seu chilrear o embalasse.
O poeta adormeceu.
Correram-lhe pelas veias regaços cheios
de açucenas floridas e de ameixas maduras.
A alma levitou e pariu versos,
cheiros e sonhos de outras vidas.

Francisco José Rito
para uma imagem do Abílio Miguel





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