DA MINHA JANELA AVISTO A RIA

Eu tenho uma casa
com mil janelas
e em cada uma delas
espreito universos.
Abro uma janela
a cada momento
e fecundo os meus dias
com cores diferentes.
Da minha janela
vejo infinidades.
Aguarelas,
nem sempre coloridas
que eu decalco e pinto
a meu gosto e prazer.
Da minha janela
avisto a ria.
Visão abstrata.
Em cada estação,
mil mundos espelhados
até onde o olhar alcança.
Mil vidas talhadas
com mãos de coragem;
mil gestos chorados,
que cumprem destinos.
Lá fora,
nos mundos que invento,
todos os labirintos
vêm dar ao meu jardim.
No meu jardim
há barcos e homens.
Há sonhos e sinas.
Há sorte e azar.
Há querer e lutar.
Há ir e voltar
Eu tenho uma janela
para cada desejo
e ao abri-las
solto sonhos ao vento.
Janelas que desenham
malmequeres floridos
e colorem os vazios
no olhar de quem sofre.
Janelas que mostram
Édens que eu não sei pintar;
que ditam poemas
que eu não sei escrever.
Bato as minhas asas
e rasgo os meus medos
com a coragem da criança
que rasga o ventre da mãe
e mergulha na incógnita;
da apaixonada
que ouve sonetos
dos lábios da lua,
que abre a janela
e se rende aos seus mistérios.
Da minha janela
avisto a ria.
E quando a noite cai
e a penumbra me invade,
acendo os pirilampos que me habitam
e tudo ao meu redor é luz e cor.
Eu tenho uma janela
que conta histórias:
era uma vez um menino
debruçado numa janela,
que sonhava voar sobre a ria.
Vestiu asas de gaivota
e fez-se à aventura,
mas o céu era tão alto
e as águas tão profundas!
Eu era o menino
e a ria era-me mistério...
Quis saber do que era feita
e mergulhei-a.
Quis saber do seu sabor
e provei-a.
Quis saber ao que cheirava
e abracei-a.
A minha ria
é feita de (a)braços
e faz maré com as lágrimas
dos que a lavram.
Sabe à frescura
da terra prometida.
Cheira a suor
e a pão.
poema de Francisco José Rito
fotografia da Maggie Luijer
A imagem pode conter: sapatos, oceano, ar livre, natureza e água

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pela visita. Este espaço é seu. Use e abuse, mas com respeito, principalmente por quem nos lê. Francisco