DÓI
Escurecem-te os dias.
A paisagem treme,
fundindo-se na fosca ilusão
de vida que criaste,
para te sentires vivo.
A ponte ruiu,
o rio secou,
o barco jaz, acaçapado
no fundo dos dias.
Padeces de todas as dores
e para as não sentires
desenhaste um corpo em que nada doesse.
Mas dói!
Doem-te as mãos tiranas
que se negam a obedecer-te
e os pés que recusam levar-te
aonde já também não queres ir.
Dói-te o tempo que não volta,
o filho que não fizeste,
o pai que não te beijou,
as palavras que não leste,
o amor que não tiveste.
Dói-te a cadeira vazia,
a folha em branco,
o relógio parado,
a vela apagada.
Fechaste-te numa casa a cair de velha,
os ratos invadiram-te a gaveta da alma
e vão roendo, uma a uma,
as memórias que por lá tinhas guardadas.
Saberás que embarcaste num comboio de mentiras.?
Que perdeste as rédeas da verdade
e apenas vives nos mundos que inventas?
Talvez não saibas,
mas já não sabes se vens ou vais,
se partes ou chegas;
se amanhã te lembrarás de viver,
ou de morrer.
Francisco José Rito
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