Maré de azar


A pacatez da população piscatória da zona de Ovar foi hoje fustigada pela notícia de mais uma maré de azar, desta vez na Ria (canal de Ovar), que ceifou a vida a outro filho da terra.
Eram 7:30 e Adriano Soares preparava-se para amarrar a pequena bateira a uma vara que tinha espetado no leito lamacento, quando um movimento anormal fez adornar a embarcação, atirando os dois tripulantes para a água, que a essa hora já vazava. 
O camarada salvou-se, por se ter agarrado à bateira, que o trouxe até à margem, mas Adriano não teve a mesma sorte. Apareceria 4 horas mais tarde, não muito longe do malfadado local onde tudo acontecera.
A imprensa fala de pesca desportiva. Eu não conhecia a vítima, mas conheço a realidade destas terras e deste povo, e sei que a maioria dos que atualmente andam na Ria, não andam ali por desporto.
Muitos deles nem eram da Ria! Longe vão os tempos em que, para muitos, os fins-de-semana eram sinónimo de grandes pescarias com os amigos, com petiscadas na beira-ria. Tinham o seu emprego e (esses sim) pescavam por desporto, quando para isso tinham oportunidade. 
Mas as regras do jogo foram mudadas; e hoje, infelizmente, a situação desesperante de muitos chefes de família obriga-os a buscar o pão por onde podem. E na borda-d´água, como sempre se fez, as privações socorrem-se na Ria, que nunca se recusa a ajudar quem a procura.
Num espaço de 48 horas, três pescadores perderam a vida, nas vagas que toda a vida lhes deram o pão. Esta tarde, um dos sobreviventes do Xávega que há dois dias naufragou na Praia do Furadouro, outra povoação pertencente a Ovar, faleceu também, vítima de uma indisposição ainda por apurar, depois de ter assistido ao funeral do camarada afogado na passada terça-feira.
Uma semana que ficou para a história, pelos piores motivos. Um início de safra marcado pelo luto e pela dor dos que aqui ficaram; que terão de conviver com a sua ausência; que todos os dias os recordarão.
Que mais não fosse, de cada vez que as proas procurarem o rumo, para mais um dia na faina. Porque, para os que aqui ficaram, a vida continua e a sorte manter-se-á, inalterada...

Paz à alma dos que partiram.

Francisco José Rito

1 comentário:

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