A Murtosa está bonita; mas para quem?!

"Depois de em 2010, ter adquirido o imóvel, a Câmara Municipal da Murtosa lançou, recentemente, o concurso público para a recuperação e transformação da antiga fábrica de conservas da Comur em pólo museológico da indústria conserveira. A obra,  orçada em mais de um milhão de euros, tem por objetivo afirmar a importância social e económica que a industria conserveira teve e tem no Concelho da Murtosa, representando uma aposta da Câmara Municipal na valorização dos elementos diferenciadores, na definição das estratégias de desenvolvimento local, assumindo a conserva das enguias como uma das imagens de marca da Murtosa." [...]

Acho muito bem. Esta fábrica marcou a vida de muita gente e há memórias que devem ser preservadas. Por isso concordo que aproveitem aquele espaço para ensinar alguma coisa às gerações vindouras. Eu também prefiro ver ali um museu, do que mais um condomínio, ou outra coisa qualquer. Só lamento que numa altura em que as coisas estão tão mal para quase todos, havendo dinheiros públicos para gastar, estes se deem sempre a ganhar a gente de fora e não se ajudem os filhos da terra.
Esta obra poderia empregar (mesmo que temporariamente) alguns dos nossos profissionais da Construção Civil que se encontram desempregados e já sem direito a subsídio. Alguns desses que vão todos os dias esgravatar na Ria, procurando o sustento para a casa, mas que pela pouca experiência na arte, não conseguem trazer mais de um quilo de amêijoa, ou meio saquito de berbigão. Sim, alguns desses desempregados que se diz não existirem na Murtosa...

Alguém, que aparentemente lê com atenção os artigos que dedico às coisas da terra, acusou-me de ser contra este Executivo Camarário, mas essa ideia não corresponde à realidade. Se ainda não tinha sido claro nesse ponto, tentarei sê-lo agora: não tenho nada contra a Câmara da Murtosa ou contra quem a gere!

Não sou cego nem estúpido. Reconheço que, para uma terra tão pequena e de tão parcos recursos, muito foi feito. Mas também vejo as prioridades um pouco distorcidas em alguns aspectos. Há coisas que de tão importantes deveriam ser prioritárias e não foram.

A Murtosa está bonita? Está sim senhor, mas está bonita para quem? Para os que felizmente ainda não precisaram de sair? É válido. Mas que pensarão os que não tiveram a mesma sorte? Esses pensam como eu, que a Murtosa está bonita, mas o mais importante ainda não foi feito, porque ainda não foram aqui criados suficientes postos de trabalho.

Esse pormenor, que para alguns poderá ser secundário (porque se julgam em "estado de graça" e esquecem-se que na vida "um dia é da caça e o outro do caçador"), para mim é de crucial importância. Porque eu, tal como milhares de murtoseiros, tivemos de correr mundo para fazermos alguma coisa pela vida e sabemos o que dói passar anos longe de tudo e de todos os que nos são queridos.

É por isso que eu hei-de bater sempre nesta tecla:  enquanto filhos da terra continuarem a ter de sair daqui para matar a fome aos seus, o trabalho da Autarquia não está terminado...

Seja este o executivo, ou outro qualquer! É inadmissível que se continue a investir em tudo, menos na criação de postos de trabalho. Há quem insista em alegar que na Murtosa não há desemprego. Pois não... oficialmente não há desemprego, porque as pessoas já desistiram de procurar trabalho. Oficialmente não há desemprego porque muitos esgotaram o tempo máximo e outros nunca se inscreveram, porque tinham trabalhos precários, sem descontos. Oficialmente não há desemprego porque quem não está a receber, mesmo estando inscrito, não conta para as estatísticas...

Oficialmente não há desemprego, mas há muitos Subsídios de Reinserção Social e não é por as pessoas serem todas preguiçosas! Se algumas assim são, outras há que preferiam um salário, se para isso lhes fosse dada a oportunidade. Mas trabalhar aonde, nesta terra? A fazer o quê?! Quem se inscreve no Centro de Emprego sabe a primeira coisa que lhe dizem: na sua zona vai ser difícil...

Claro que é difícil! E continuará a sê-lo! Enquanto não se criarem condições para o investimento, não se aproveitarem as condições privilegiadas que temos, para transformar a Murtosa numa terra economicamente atractiva e procurada, nunca sairemos disto, por mais bonita que a terra esteja...

A ter algo contra vós, senhores Autarcas, seria isto. Mas isto não é ter algo contra alguém em particular. Terei-o também contra os que vos sucederem, se as políticas se mantiverem. Isto só, e mais nada!

Francisco Vieira

Para o jornal Notícias Ribeirinhas