QUEIMA DO JUDAS (Sábado da Aleluia)




Das várias tradições da Quaresma, recordo aqui a Queima do Judas, também chamado "Velho da Aleluia".
Perde-se no tempo, um pouco por todo o país, de norte a sul. Um ritual tipicamente profano, embora inspirado em acontecimentos biblícos (o boneco representa Judas, o apostolo que traiu Jesus por trinta dinheiros).
O "apóstolo maldito" era personificado por um tosco boneco de palha, quase sempre "enforcado" numa vara ou pendurado numa corda, suspensa de um lado ao outro da rua.

Eram normalmente os jovens quem mantinham vivo este ritual. Na véspera "enchia-se" o boneco com palha, tentando que se parecesse com alguém da terra, fosse por alguma semelhança física ou por um ou outro acessório.
Junto ao boneco pendurava-se também o testamento do Judas, quase sempre em quadras de escárnio e de mal dizer, onde se ridicularizavam os vícios e os costumes das gentes da terra.
As "vitimas" eram quase sempre figuras mais ou menos públicas da terra, ou vizinhos, que por um motivo ou outro se tivessem "destacado" ao longo do Ano.
Ou as raparigas que se achavam de alguma forma superiores aos rapazes lá do bairro, eram logo as primeiras a serem contempladas em testamento com os "bens" do velho Judas...

O boneco ficava escondido no sótão ou na garagem de algum dos seus criadores, até meio da noite de Sexta para Sábado da Aleluia. Quando o sol raiava e os primeiros habitantes saíam à rua, já davam de caras com o "marrafico" pendurado, à vista de todos os que iam passando, rindo da sua sorte, enquanto liam atenciosamente os dizeres do seu "precioso testamento".
Deixava a uns a samarra, a outros as ceroulas, a outros o barrete...
Às raparigas mais ariscas deixava sempre pormenorizadamente outros "apetrechos", vingança dos rapazes que se sentiam por elas desprezados no seu dia-a-dia.

À meia noite de sábado já estavam velhos e novos ao redor do Judas. Primeiro era julgado o traidor, entre palavras de ordem, criticas, sátiras políticas e sociais, dos narradores que davam largas à sua imaginação,comparando-lhe as mais variadas figuras públicas da altura e fazendo as delícias dos presentes. Depois lia-se o testamento, entre gargalhadas de uns e a fúria de outros (os visados).
Por fim era o condenado queimado em praça pública, causando o delírio de quem assistia.
A festa acabava já pela madrugada, depois de muita música, a "pinga" da ordem e a animação que nos é comum...

Na minha terra era assim, mas sei que os pormenores variavam de umas terras para outras. Já diz o velho ditado que "cada terra tem seu uso"...
Em Lisboa por exemplo, o Judas era pendurado nos mastros das embarcações do Tejo e era destruído à paulada ou esquartejado com os punhais dos marinheiros, que não se atreviam a chegar-lhe o fogo a bordo dos barcos.
O mesmo se passava no Algarve, mais propriamente em Olhão, ou em Vila Franca de Xira, onde o prazer das populações era também "moer" o criminoso à paulada.

Mais para o norte, no concelho de Tondela, era hábito apedrejá-lo impiedosamente até à "morte".
Em Arzila- Coimbra, deitavam-lhe uma bomba na cabeça e depois chegavam-lhe o fogo pelos pés.
Quando as chamas atingiam a cabeça esta estoirava estrondosamente enquanto o sino tocava freneticamente a rebate.

Na minha terra esta tradição por pouco se perdeu, e julgo que na maioria também.
Encontrei ainda registos destas celebrações em Vila do Conde e no Concelho de Águeda.
Se algum dos leitores conhecer outras terras que ainda o façam ou outras formas de "queimar o Judas", agradecia que me enviassem essa informação.
Continuam hoje, como sempre a ter de coexistir com disposições pouco abonatorias por parte da Igreja Católica que sempre as considerou celebrações pagãs.
em tempos idos, eram frequentes os conflitos e as intervenções das autoridades, que provocaram, em muitos casos, a suspenção definitiva destes costumes.

Francisco José Rito


1 comentário:

  1. Bom dia, amigo Francisco!

    Acabo de ler sua postagem sobre a queima de Judas. Em cada canto segue essa tradição, mesmo tendo contras e a favor. Em meu blog gerou uma discussão terrível, conforme você deve ter observado.
    Aproveitei minha visita ao seu blog para me inscrever como mais um seguidor desse seu trabalho.
    Abraços...
    Edward de Souza

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Obrigado pela visita. Este espaço é seu. Use e abuse, mas com respeito, principalmente por quem nos lê. Francisco