MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO APAGA


Esta é a minha homenagem a três figuras do panorama musical português da minha juventude que infelizmente já não estão entre nós fisicamente, embora a sua obra se tenha imortalizado...

António Variações, Carlos Paião e Cândida Branca Flor...

Os três marcaram a diferença por serem irreverentes, apesar das suas carreiras relativamente curtas, mas recheadas de sucessos e que em muito enalteceram o nome de Portugal e enriqueceram a nossa cultura.
Ainda hoje as suas músicas se podem considerar actuais e estou seguro que jamais o deixarão de ser.


ANTÓNIO VARIAÇÕES
Dos três, Variações foi o que mais me marcou, pelo facto te ter feito tanto em tão pouco tempo (a sua carreira não durou mais de 4 ou 5 anos).

Um músico especialíssimo, corajoso e sensual, era nas cantigas como na vida, capaz de fazer coisas que mais ninguém se atreveria a fazer naquela época.

Estava avançado uns 50 anos em relação à realidade nacional e foi por isso muitas vezes criticado e discriminado.

Foram precisos muitos anos até que em Portugal se começasse a valorizar e a respeitar a sua postura e a sua obra.

Nasceu a 3 de Dezembro de 1944 e morreu a 13 de Junho de 1984, com 39 anos. Natural do concelho de Amares, distrito de Braga.

Aos 11 anos, teve o seu primeiro emprego em Caldelas, e um ano depois, partiu para Lisboa. Aí, trabalhou como aprendiz de escritorario e barbeiro. Seguiu-se o serviço militar em Angola e a aventura pelo estrangeiro: Londres em 1975 e Amesterdão meses depois, onde descobriu um novo mundo, querendo trazer para Portugal uma nova maneira de viver. Foi nesta última cidade que aprendeu a profissão de cabeleireiro que, mais tarde, exerceu em Lisboa.

Entretanto, deu igualmente início aos espectáculos com o grupo Variações, atraindo rapidamente as atenções. Por um lado, o seu visual excêntrico não passava despercebido e, por outro, o seu estilo musical combinava vários géneros, como o rock, o pop, os blues ou o fado e o folclore. Em 1978, apresentou-se à editora Valentim de Carvalho e assinou contrato. Foram ainda assim precisos quase 4 anos e muita insistência, até que a editora que o tinha contratado, o convidasse a gravar.

A discoteca “Trumps” foi o local onde António se apresentou ao público. Em 1981, sem ter até aí editado qualquer música, participou no programa de televisão de Júlio Isidro, “O Passeio dos Alegres”, onde cantou uma música que nunca chegaria a gravar, mas que ficou no ouvido de toda a gente "Toma o Comprimido(que isso passa)". A sua música e o seu estilo próprio e inconfundível fizeram com que depressa alcançasse uma fama razoável.

Editou o primeiro single com os temas “Povo que Lavas no Rio” de Amália Rodrigues (a sua maior referência), e “Estou Além”. De seguida, gravou o seu primeiro LP, “Anjo da Guarda” com dez faixas, todas de sua autoria, onde se destacaram os êxitos “É p´rá Amanhã” e “O Corpo é que Paga”.

Em 1984 gravou o seu segundo trabalho, intitulado “Dar e Receber”. Era Fevereiro e, dois meses depois, a 22 de Abril, Variações daria o último concerto,em Barcelos. Apareceu a ultima vez em público,no programa “A Festa Continua”,de Júlio Isidro.
Quando a "Canção de Engate" invadiu as rádios, já António Variações se encontrava hospitalizado devido a um problema brônquio-asmático. Morreu a 13 de Junho, vítima de uma broncopneumonia, provavelmente causada pelo vírus HIV. Especula-se que terá sido a primeira figura pública portuguesa a morrer vítima de Sida.


CARLOS PAIÃO

Carlos Manuel de Marques Paião, nascido a 1 de Novembro de 1957, em Coimbra, estudou e formou-se em medicina, corria o ano de 1983,mas nunca exerceu a profissão, porque desde muito novo o sonho de ser artista falou mais alto.

Um sonhador e romântico, cujas músicas ainda hoje, 21 anos após a sua morte, continuam a alimentar sonhos e a fazer com que palpitem muitos corações.

Um "menino" na sua capacidade de sonhar e de se exprimir, mas um homem na forma de estar na vida, na capacidade de perseguir o seu sonho, na responsabilidade, na amizade que dedicava aos colegas e no respeito que demonstrava pelo seu público.
Conseguiu cativar admiradores de todas as idades e todos estratos sociais.

Em 1978, quando conseguiu a primeira vitória da sua carreira no Festival da Canção de Ilhavo, contava já com mais de 200 músicas da sua autoria, entre as que ele cantava e muitas que dava a gravar a outros artistas, como Joel Branco, Trio Odemira, Rodrigo, António Mourão, entre outros.

O Humorista e cantor Herman José também cantou muitas canções suas, como a "Canção do beijinho" ou o "Saca, saca- rolhas".


Amália Rodrigues fez também questão de gravar um tema seu "Extra-terrestre" que foi um sucesso na altura. O Herman José voltaria a cantar temas seus em vários personagens. Eram do Paião todos os temas que cantou o "Serafim Saudade" e o "José Esteves" gravou em 1986, o tema "Vamos lá Cambada", que foi um fenómeno de popularidade e foi nesse ano adoptado para hino da Selecção Nacional no México.

Participa em vários programas de televisão, como "O Foguete" de António Sala, cujo genérico era também da sua autoria.

Em 1981 decide enviar umas músicas para o Festival da Canção, de onde é seleccionado o tema "Playback". Concorre e ganha o Festival com essa música que ainda hoje faz furor onde quer que seja tocada.

Mas em Portugal a música caiu facilmente no ouvido e no gosto de toda a gente, conquistando rapidamente o disco de ouro, em Dublin, cidade que acolheu o Euro Festival nesse ano, não conseguiu melhor do que um pouco honroso penúltimo lugar.


Para outro autor qualquer, isso seria motivo para não se aventurar mais naquele certame, mas não para o Paião.
Em 1982 concorre com uma música cantada por Cândida Branca Flor "Trocas e Baldrocas" e como se não tivesse ficado satisfeito com o resultado, no próximo ano torna a levar outro tema, cantado por ele em dueto com a mesma artista. A canção "Vinho do Porto, vinho de Portugal" não passou do terceiro lugar, mas foi também muito bem aceite pela opinião publica.

Dois anos mais tarde, com a canção 'Lá Longe Senhora" ficou entre os dezoito finalistas no Festival Internacional da Canção Popular de Tóquio, entre mais de duas mil composições que foram a concurso.

Ficaram na memoria de toda a gente e ainda hoje se podem ouvir muitas das suas músicas. "Playback", "Cinderela", "Pó de arroz", "Lá longe Senhora", "Zero a zero", Marcha do "Pião das Nicas", "Discoteca", "Souvenir de Portugal", "Eu não sou Poeta", entre outras...


A sua vida e carreira artística acabaram subitamente num acidente de viação, no dia 26 de Agosto de 1988 quando ia a caminho de Leiria para mais um espectáculo. Da carrinha que os transportava, apenas um dos ocupantes sobreviveu.

Um mês depois da sua morte sai no mercado o seu ultimo trabalho discográfico "Intervalo", onde se destaca o tema "Quando as Nuvens Chorarem"

Uma autentica catástrofe para o mundo da musica e do espectáculos em Portugal, que ficou assim privado de um dos seus maiores compositores e autores, além de um excelente cantor e artista em palco.


CÂNDIDA BRANCA FLOR

Cândida Maria Soares Rosado nasceu a 12 de Novembro de 1949, em Beringel, concelho de Beja.
Começou a sua carreira no inicio da década de 70, quando gravou, do filme "Aldeia da roupa Branca", o tema interpretado pela saudosa Beatriz Costa "Agua Fria da Ribeira", Integra ainda nos anos 70, o grupo inovador de música popular portuguesa, "Banda do Casaco".


Com eles gravou em 1976 o álbum "Coisas do arco da velha" e aí foi buscar o seu futuro nome artístico, inspirada no titulo de uma das canções desse disco "Romance de Branca Flor". Passou a apresentar-se então como Cândida Branca Flor.

No inicio dos anos 80 apresentava ao lado de Júlio Isidro o programa de televisão "Fungá-gá da Bicharada", tornando-se dessa forma um ídolo para os mais pequeninos.
Foi a gravação da banda sonora desse programa que a lança numa carreira a solo.

Concorreu por três vezes ao Festival RTP da canção. Em 1978, com "A nossa Serenata", em 1982 com " Trocas e Baldrocas", da autoria do seu amigo Carlos Paião e no ano seguinte, em dueto com o Carlos concorre com "Vinho do Porto, vinho de Portugal".

A sorte não quis que ganhasse em nenhuma das três vezes que foi a concurso, mas isso não a impediu de construir uma carreira repleta de sucessos.


Editou 12 singles e 15 álbuns, entre 1976 e 2001, de onde se destacam temas como "A nossa Serenata", " Alma Portuguesa", " Desejos Coloridos" e "Mar de Rosas", "Trocas e baldrocas", "A prima da Pantera cor de Rosa", "Gira Discos", "Vinho do Porto", "Fradinho Capucho" e "Antes te Quero Esquecer". Cantou também varios, temas do então já falecido Carlos Paião.

Como tantos outros artistas, começou a sentir um declínio na sua carreira a partir de 1998, altura em que deixou de aparecer na televisão. O amigo Herman José ainda a convida ao seu programa Herman Sic, mas já nessa altura era visível o seu infortúnio.

(Não consigo deixar de pensar que a sua carreira teria sido bem diferente se Carlos Paião não tivesse falecido...)

A Cândida foi mais uma vitima da crueldade do nosso País para com os seus artistas, principalmente na área musical.
Uma terra que na maioria dos casos é "fraca Mãe e boa Madrasta"...


Depois de vários problemas, de ordem económica, afectiva e profissional, a Cândida Branca Flor decidiu num triste final de tarde, pôr um ponto final nas suas mágoas, na sua carreira e na sua vida...

Estávamos então a 11 de Julho de 2001. Aquela voz risonha não tornou a cantar e aquele sorriso maroto nunca mais nos encantou...


Francisco Vieira

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