À MINHA TERRA
O que aqui
se vê é o meu chão.
As águas da
lagoa em burburinho.
Um mar de
pérolas salgadas;
amante
prateado, prenhando a terra fértil.
O sol rasga
a penumbra e desperta o cais.
Sublime
sinfonia do grasnar das gaivotas,
ao desafio
com o vaivém das cirandas
e o
praguejar das peixeiras.
O que aqui
se ouve é o cantar de um povo.
Oração de
louvar a vida, a faina e a sorte.
Comunhão dos
homens com os vários elementos,
na procura
fugaz e infinita:
- terra,
água, ar, fogo, mesa, pão, sonho, inquietude!
Mais um dia.
Mais uma maré.
Mais uma
réstia de esperança
a salpicar
de sorrisos o rosto desta gente.
O que aqui
se cheira é sobrevivência.
A maresia a
lavar a cara aos cachopos,
a canseira
aos homens, as dores aos velhos...
Na borda
d´água, fumega a panela de três pés;
derrete o
breu e as penas do arrais
que calafeta
fendas e outras feridas,
numa
amanhação constante de barcos e vidas.
Os galos
saúdam a alvorada.
Os cães
latem ladainhas de fome e impaciência.
As chaminés
soltam aromas a café e a broa de milho.
O arado
amanha a terra, o homem fecunda-a,
que a
semente há-de ser-lhe pão e vinho.
O que aqui
se sente é nostalgia.
O pranto dos
que ficaram, sentados à beira da memória,
ou sentido
errante que persegue os que se atreveram a sonhar e partir.
...e eu,
diluído em viagens,
perdido nas
mágoas, nas águas e nos milheirais,
areado até
aos ossos pela nortada agreste que me chicoteia,
olhos reféns
das vagas e das proas garridas,
coração
entralhado nos braços e nas redes,
pés atolados
na leiva humedecida,
alma
agigantada pelo orgulho,
peito
apertado pela saudade,
mareio à
bolina, para te abraçar -
- Murtosa,
terra minha, mui amada!
texto de Francisco José Rito
fotografia de Paulo João
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