SEM TABACO
Vinha eu de uma dessas madrugadas da vida, num daqueles momentos desesperados em que nos acaba o tabaco às cinco da manhã e não há nada aberto onde o comprar, quando me deu por sair à direita da A29 e entrar para a praia de Espinho.
Cafés abertos nem um! Depois de várias voltas à praia, de uns quantos palavrões contra tantos sentidos proibidos que já me traziam mais baralhado que uma barata tonta, entro no bairro dos pescadores. "Calma careca, que estás com tua gente!" Pensei eu.
Estacionei o carro e começo a ouvir um murmúrio ao longe, vindo do areal. Como estava escuro, tive de me aproximar para perceber o que se passava. Delirei quando percebi que iam as redes ao mar àquela hora. Não me podia ver a cara, mas tenho a certeza de que abri um sorriso que me chegou de orelha a orelha.
Que saudades eu tinha daquilo...há anos que não via dar um lanço de arte Xávega.
Num impulso, descalcei os sapatos, enrolei as calcas até ao joelho e meti-me no meio do pessoal. Eram homens, mulheres e crianças de todas as idades, movendo redes, cordas, cabazes, varas...de um lado o ruído dos tractores, do outro os gritos do arrais, mais os da companha, tudo em perfeita sintonia, com a experiência de quem lidou com aquelas manobras toda a vida.
Ninguém me perguntou quem eu era, ou o que fazia ali, nem mesmo quando me viram puxar as cordas e as redes. Dou por mim a ser mandado pelo mestre, para "puxar daqui e soltar dali". Senti-me completamente integrado no meio daquela gente, que me tratavam por igual, sem sequer me perguntarem o nome.
Demorou uma hora e meia mais ou menos até que as redes estivessem limpas e estendidas, os cabos enrolados e os cabazes do peixe carregados nas carroças que os levariam à lota. A caminho do carro, um dos homens vira-se para mim e diz: "Venha lá daí matar o bicho!" Já era dia e o café do bairro tinha aberto as portas para acudir à sede daqueles homens e mulheres que seguramente mereciam refrescar as gargantas, depois de tão árdua tarefa. Juntei-me a eles num "traçado de anis" e por fim comprei o tabaco, cuja falta me tinha levado ali. Na hora de pagar, grita um dos pescadores para o dono do café: "Não cobras nada a esse homem, porque ele está connosco". Fiquei a saber então que aquela despesa era toda apontada a nome do arrais, que pagava o mata-bicho a toda a companha. Saí dali encharcado, cansado, mas com o coração quente. Com aquela felicidade que só encontramos nas coisas simples, nas pessoas humildes. E dando graças à vida, ao facto de ter tido o privilégio de pertencer a esta geração, onde ainda podemos viver coisas assim.
Francisco Vieira
(Foto de Antonio Marciano)
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Os melhores contatos de nossas vidas são com as pessoas humildes e simples...forte abraço amigo e uma bela noite pra ti.
ResponderEliminarÉ tão fácil encontrar a felicidade nas coisas pequenas da vida, ou talvez não seja, ou talvez estas sejam as coisas grandes da vida... não sei, acho que me baralhei todo!
ResponderEliminargostei que partilhasses esta experiência, não sei bem porquê, tocou-me
Abraço
Boa noite Everson
ResponderEliminarUm forte abraço para si e obrigado pela sua presença constante.
Renato, meu amigo, no fundo, no fundo, és um coração de manteiga. É o que é :-)
ResponderEliminarBoa noite para ti e um abraço
Bom dia Francisco
ResponderEliminarA grande noitada da tua vida. Desconfio que essa acabou por ser a grande conquista da noite e julgo não estar minimamente enganado mesmo que a noite tenha sido muito proveitosa. Lol
Creio que consigo visualizar-te nessa faina!
Mais uma vez nos presenteias com um belo momento da tua vida sempre, como de ti é próprio, riquíssimo em expressividade.
Um abraço Francisco
Bom dia Manel.
ResponderEliminarFoi uma experiência única sim. E enriquecedora.
Um abraço
FRANCISCO: ouvi ,ontem, na TSF, um programa sobre a Murtosa E a arte Xávega! Lindo! O nosso país tem características de vivências ,ímpares. Mas nós temos-te a ti. como um amigo da sua terra e da sua região, que nos vai mantendo informados e ansiosos por novas notícias sobre a
ResponderEliminarregião de Aveiro. BEIJO DE LUSIBERO E TERRA DE ENCANTO
Bom dia Maria,
ResponderEliminarObrigado pelo elogio. A nossa zona é realmente fantástica, sem querer desvalorizar a terra dos outros, porque o nosso Portugal num todo é um paraíso.
Beijos
Olá meu caro Francisco.
ResponderEliminarAntes de mais nada, desculpa a minha ausência...regressei ao trabalho: 100 crianças e 100 famílias e 30 funcionárias e o início de um ano lectivo, põem-me de chinelas quando chego a a casa. Feitas as tarefas de casa, nem sempre o cansaço permite ter as ideias em ordem para escrever um texto que valha minimamente a pena.
Vou estar presente o mais que puder, mas possivelmente a intervalos irregulares, conforme o que trouxer para fazer à noite.
Obrigada pelos teus passeios pela minha Terra. És sempre uma presença querida.
Quanto a este teu post...tenho uma vantagem e uma desvantagem sobre ti: a vantagem é que não fumo, pelo que não passo por esse calvário de procurar tabaco; a desvantagem é que tenho sono, às 5 da manhã estou no choco, e não passei nunca por uma experiência assim. A que descreves é linda: a partilha que só vem de quem se sente entre iguais ( somos todos humanos, somos todos iguais...), porque quem está de coração nas coisas é recebido sempre como um igual, e de coração aberto. Que bela madrugada. Que bela partilha. Que respeito e carinho enormes. Adorei ler-te!!
Beijinhos muito grandes.
Esquecia-me...gosto do novo design do Namorado!!
ResponderEliminarOlha quem ela é :-) Já tinha mandado a proteção civil à tua procura eh eh eh
ResponderEliminarDepois fiquei ao corrento do motivo de tanta ausencia e percebi. Volta que estás perdoada :-)
Uma beijoca para ti e passa por aqui quando poderes. És sempre bem vinda, Bruxinha.
Susana, obrigado pelo design do blog. Por vezes faz falta :-)
ResponderEliminarOutra beijoca
A Brigada de Trânsito mandou-me parar, sim....heheheheh!!!
ResponderEliminarAbraço grande!
Francisco, ainda sai a companha na minha terra, e já muitas vezes assisti ao lanço. É pena que já não se faça com juntas, mas de resto ainda é igual em tudo a outros tempos. Quanto ao matar o bicho... é a melhor parte!
ResponderEliminarGrande texto!
Boa noite Cirrus e seja bem aparecido. Sim, na minha praia também ainda se vai ao mar, se bem que também já sem os bois. Mas há muitos anos que não assistia ao acto ao vivo. Teve um certo encanto.
ResponderEliminarUm abraço
Susana bruxinha, es uma castiça :-)
ResponderEliminarBeijocas
Sou uma cachopa bem disposta...às vezes!!! hehheehehehe
ResponderEliminarOh Susana, só às vezes?! Até que fosses rapariga casadoira já não te queria!!! Para mau feitio já basta o meu eh eh eh
ResponderEliminarMau feitio, tu??
ResponderEliminarNão creio.
O resto...no comments!
...sabes que aqui a Bruxinha é mau feitio às vezes, mas muiiiiiiiito discreta e reservada...
ResponderEliminar;)
ah ah ah ah ah bem...foste mais suave do que eu esperava, lol
ResponderEliminarAi que não publicas...
ResponderEliminar:(
Claro...coisas de bruxinha...entendi-te :-)
ResponderEliminarAgora fico a pensar no que esperavas tu....o meu mindinho entrou em hibernação e não adivinha!
ResponderEliminarSerá?
ResponderEliminarNão percebi, bruxinha...não estão todos?
ResponderEliminarah ah ah ah ah ah ah para uma reservada, reservado e meio :-)
ResponderEliminarEstão, agora estão!
ResponderEliminarHá pouco não estavam, e fiquei a pensar..."ai que respondi à bruta"!
Mas agora vejo que não...pensei que levasses a mal o "no comments"...
Achas-me do tipo que leva a mal? Bem...só se me pisarem muito os calos. O que não é o caso :-)
ResponderEliminar8)
ResponderEliminar(sim, uso óculos; sou uma usa-óculos feliz por não levares a mal)
eh eh eh és uma bacana, isso sim...então não vais ao S. Paio? Lol Amanha é porreiro à noite. Leva a Maria a comer farturas :-)
ResponderEliminarConfesso que nunca fui à festa aí....parece mal, afinal somos quase vizinhos!
ResponderEliminarQuanto a amanhã...nunca se sabe! Vou rever o programa.
E a Maria evita as farturas, prova só. Já eu....
Vou deixar-te, por hoje...o soninho empurra-me as pálpebras...
ResponderEliminarBeijinho de boa noite
Vale sempre a pena. Mas se decidirem não te esqueças de sair com tempo. Andam obras na ponte e o transito está um pouco condicionado. Convém vir cedo e sair cedo também da praia, outerás que acampar no areal até que saiam todos. Ou venham por Ovar. Calcados confortáveis porque caminha-se bastante entre a ria e o mar. A avenida é enorme e tem muito que ver.
ResponderEliminarBoa noite e dorme bem. Beijocas. Ainda vou cuscar à Terra de Encanto :-)
ResponderEliminarSão estas experiências que nos devolvem por momentos a esperança :)
ResponderEliminarOlá meu amigo.Passo para deixar beijinhos grandes! Obrigada por teres passado pela Terra.
ResponderEliminarSusana
Um beijo para ti tambem, Susana
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