SALVEM A RIA!


Este artigo pretende ser acima de tudo uma denúncia e um apelo a quem de direito, para o degradante estado em que se encontra a Ria de Aveiro. O que em tempos foi o ex-libris do nosso litoral e um dos locais mais aprazíveis do nosso país (se não do mundo), uma lagoa de águas profundas, cheia de vida, fonte de riqueza, com barcos moliceiros e mercanteis, bateiras e chinxorros que a navegavam diariamente, que dela tiravam o pão de cada dia, mas que a mantinham limpa e navegável, vai-se transformando cada vez mais num pântano de lama podre, sem vida.

Sim, falo-vos da minha Ria. Daquela que há décadas me enamorou, e que antes de mim, já inspirava poetas e trovadores. Que encantou tantos pintores que a pintaram e fotógrafos que a retrataram. Que foi habitat de várias espécies, diversificada em fauna marítima e flora aquática. O seu leito era rico em variadíssimas espécies de peixes, bivalves e crustáceos e nas suas margens habitavam e procriavam os mais diversos tipos de aves.

O fim da apanha do moliço início dos anos 80, foi o inicio da sua desgraça. Eram os ancinhos dos moliceiros que lhe catavam o leito, o limpavam de todo o tipo de flora e o deixavam livre para receber as correntes das marés.
Com o fim dessa actividade, o moliço e outras algas começaram a crescer no fundo e a juntar lamas que se foram acumulando e solidificando até aos dias de hoje, deixando-a praticamente assoreada.

Quem hoje quiser admirar a Ria em todo o seu esplendor, tem de a visitar nas horas de maré-alta. Vista de perto nessas horas, parece que nunca perdeu o seu porte. Um "mar" de água que se prolonga numa extensão de quilómetros que nos parecem não ter fim, mas na verdade o que se vê actualmente não passa, na sua maioria, de um metro de água (nem isso nalguns locais) a cobrir-lhe o leito de lama podre que se põe a descoberto logo aos primeiros sinais da baixa-mar e que nas seis horas de maré-seca lhe dá um aspecto lastimável e deprimente. Um lamaçal imenso, com um cheiro insuportável.

A Associação Náutica da Torreira (ANT), perante a ameaça de perder as condições de navegabilidade nas suas instalações, está a suportar, das suas fracas finanças, os custos de obras de desassoreamento de urgência para garantir as condições mínimas de atracação junto à marina local que tem a seu cargo.
O porto de recreio, uma obra onde o Estado gastou cerca de 2,5 milhões de euros, concluído em 1998, ameaçava, a qualquer momento, tornar-se inútil, dada a impossibilidade de garantir a entrada ou saída de embarcações.
O progressivo assoreamento em nove anos deitou a perder os cinco metros de profundidade com que era possível contar na maré-vazia. Actualmente, os pontões, os quebra-mar e os barcos, ficam pousados na lama.

A origem do problema prende-se também com a elevada amplitude das marés em consequência das continuadas obras de aprofundamento para assegurar a viabilidade da barra do Porto de Aveiro, que conhecerá proximamente novos trabalhos de dragagem.
Na maré-vazia, a água sai e fica tudo seco. Quando ocorrem as marés mais altas, entra com uma força, destrói as margens e inunda os campos agrícolas, removendo materiais e terras que são arrastados para ria, "acumulando nas zonas mais baixas".
Os proprietários de barcos de recreio e pescadores já sabem que na maré-vazia a marina e o porto de abrigo não permitem zarpar em viagens de lazer ou ganha-pão.

Cansada de esperar pelas prometidas mas sempre adiadas obras de desassoreamento, que são reclamadas também na marina do Carregal, Ovar, a Náutica da Torreira assumiu, por sua conta, alguns trabalhos urgentes, evitando ficar com um "elefante branco" nas mãos.
Obtidas as licenças, o orçamento apresentado para rebaixar a zona da marina assustou esta associação com parcos recursos. A verba pedida, 150 mil euros, para retirar apenas um metro de lama, obrigou a baixar as expectativas.
Sem apoios oficiais, a direcção do clube assumiu não ter capacidade para levar a cabo a empreitada. Com os preços que cobram aos cerca de 200 barcos, a sua facturação anual fica muito longe do investimento necessário.

Todos os dias, há barcos que chegam à marina e são obrigados a lançar âncora a mais de 100 metros, durante horas, à espera da maré-cheia.
Foi possível, contudo, avançar com uma solução provisória, mais poupada (20mil euros). A associação foi autorizada a fazer um canal com 50 metros de largura, desde o guincho até ao diminuto fundão ainda existente. Em breve será possível, pelo menos os barcos de recreio, ficarem junto à margem e não atolados na Ria. E os pescadores? Quem vai pagar o desassoreamento do porto de abrigo, que tem apenas meia dúzia de anos, mas que apresenta já sinas de inavegabilidade?
O município da Murtosa dá uma ajuda, tendo assumido os encargos com o transporte dos dragados colocados num terreno contíguo. Até quando e do que servirá esta solução?

Francisco Vieira
Fonte: D.N.

7 comentários:

  1. É uma pena que o nosso imenso património natural se vá esvaindo desta forma. No meu caso, é a Barrinha de Esmoriz que já desapareceu, indo a Lagoa de Paramos no mesmo sentido. E ninguém mete mão a isto...

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  2. Olá

    Não conheço nada das lides da Ria, tampouco o que foi e o que é actualmente, ou dificuldades e recursos para sua revitalização e manutenção.

    Agora elucida-me: Compreendi que a não actividade dos moliceiros, é a origem desse “problemão” sociocultural, paisagístico e ambiental! Se trata inclusive da boa navegabilidade da Ria, entre outras coisas, não há viabilidade para a continuidade dessa faina, canalizando ou direccionando o produto para aproveitamento em outra actividade alheia ao usual? Não será por aí, aliando isso a outras actividades tais como o recreio, que giram alguma rentabilidade e assegure a sustentabilidade dos moliceiros? É que continua-se a bater no "Turismo Sustentável" mas pouco ou nada se tem feito por isso.
    Hoje, curiosamente, passei num local, onde no programa “Praça da Alegria”, uma Senhora dava uma entrevista ao Jorge Gabriel, mesmo na beira da ria, sobre o” Eco Museu”. Tive pena porque já não deu para assistir e não fosse ouvir pronunciar Ria e não me teria apercebido dado o tampouco que ainda apanhei, mas fiquei muito triste com a pobreza que vi. Parecia até brincadeira, umas alfaias no chão e uma canastra com sal! Não me parece que seja com ânimo desses que se consiga alguma coisa mas enfim. Outros nem assim farão!

    Meu amigo, deixo-te aqui isto, muito pouco para o que gostaria de poder fazer, mas como te disse, os meus conhecimentos não me permitem ir mais além. Cabe-te a ti agora, se assim o entenderes, desenvolver o tema. Contarás com a minha ajuda no que puder fazer apesar do meu desconhecimento. Com isso sim, podes contar.

    Um abraço

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  3. correcção: Aonde se lê "dado o tampouco que ainda apanhei", deverá ler-se: ...tão pouco..

    Peço desculpa

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  4. É triste, mas é assim que o nosso património natural é tratado, ou antes, não é tratado.

    E depois andamos por aí a fazer do turismo a nossa tábua de salvação, ao mesmo tempo que deixamos morrer o que temos de melhor para "vender"...

    Revoltante.

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  5. Aí perto, na Pateira de Fermentelos, a situação á parecida, com diversos tipo de vegetação a cobrir as águas.
    De facto, ainda temos que olhar para o vizinho Ibérico do lado na forma e na substância como trata o meio ambiente.

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  6. Cirrus, Pronuncia, Dylan, é isso mesmo.
    Manel, a apanha do moliço desapareceu quando se começaram a usar os fertelizantes na agricultura. Hoje seria muito dificil retomar essa arte, por ser muito trabalhosa e mal renumerada.
    Um dia havemos de nos unir num trabalho de pesquisa sobre as artes da Ria.
    Um abraço a todos.

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  7. Pizz Buim16/9/09

    Vamos lá ver o que é que eles fazem com o Pólis... já foi anunciado há meses mas ainda não se viu nada

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Obrigado pela visita. Este espaço é seu. Use e abuse, mas com respeito, principalmente por quem nos lê. Francisco