GRUPO ETNOGRÁFICO DA MURTOSA

Fundado em Agosto de 1982, teve a sua primeira apresentação pública a 13 de Dezembro desse mesmo Ano, nas Festas em honra de Santa Luzia, no Ribeiro, Murtosa. Fruto de uma excelente pesquisa dos trajes, danças e cantares da região Vareira, este rancho folclórico infantil rapidamente deu nas vistas e inspirou outros grupos da terra a se "aprumarem" na sua aparência e actuação...

A primeira formação do grupo foi simplesmente sublime (para os que foram entrando a seguir foi mais fácil, porque tinham já os mais velhos como referência). Para nós , adultos e crianças, que não tinhamos a miníma experiência naquelas andanças, foi mais dificil, mas era tanto o orgulho que nos motivava, o rigor e o prazer naquilo que fazíamos, que quem nos via actuar ficava com a impressão de já termos anos de experiência.

Comecei este artigo com a intenção de colocar aqui uma foto do grupo que encontrei há dias na internet e um pequeno registo explicativo, alusivo à mesma, mas pressinto agora que isto vai dar muito que escrever, porque estou a falar de um grupo e de uma época que foram o melhor que me aconteceu na vida.
O coração fala sempre mais alto, por isso desculpem se me deixar invadir pelas emoções que estas recordações seguramente provocarão em mim...



Aproveito esta oportunidade para relembrar aqui o homem que foi responsável pela criação deste grupo, o David Silva.
O David foi o mentor e criador deste magnifico projecto e foi o seu director e ensaiador por vários anos. Para nós, mais pequenos, era o irmão mais velho, o amigo, o conselheiro. O nosso rancho foi formado no seio de um bairro pobre, onde o nível de educação e os recursos eram limitados. Hoje tenho a certeza que o David e o Grupo Etnográfico da Murtosa tiveram uma grande influência nas nossas vidas.

Quero também deixar aqui um abraço a todas as pessoas que passaram pelo nosso rancho, desde o seu primeiro ensaio, ainda na garagem do David Silva, até à sua extinção. Que não se esqueçam do tempo que passamos juntos, horas, dias, anos de camaradagem e alegrias.
Relembro também aqueles que já não estão entre nós e que em vida tiveram o privilégio de pertencer ao nosso rancho. Estou-me a lembrar de uns quantos, mas não mencionarei nomes, para não correr o risco de esquecer algum. A todos um bem haja.

O que vou escrever a seguir, certamente que vai colocar uma lágrima no canto do olho a alguns dos intervenientes que o leiam. A outros talvez os faça sorrir...Vou fazer num pequeno resumo, o relato de algumas das actuações mais emblemáticas do nosso rancho. Histórias que, para quem não as conhece poderão parecer insignificantes, mas que para nós que as vivemos, são autenticas relíquias da memória e um balsamo que muitas vezes nos ajuda a enfrentar as agruras da vida (quantas vezes ao longo da vida já desejei não ter passado daqueles 15 anos de idade).



Uma vez tivemos um convite para ir dançar a um barco de cruzeiro Alemão (Europe) que fez escala no Porto. Imaginem o que foi para um grupo de garotos que na sua maioria não se tinha ainda deslocado para fora do concelho e muito menos visto um barco maior do que o Moliceiro, entrar de repente dentro daquele "monstro" flutuante. Foi o delírio total...
Uma tarde de sonho desfrutando de tudo o que aqueles espaços tem para oferecer. Uma noite de folclore ao mais alto nível, que por ser protagonizada com tanto orgulho, parecia tratar-se de um grupo profissional.

Noutra altura fomos actuar ao Alentejo, numa pequena povoação chamada Campinho (se não me falha a memória).
Fomos por três dias, porque conciliamos essa com uma outra actuação que calhava em caminho.
Marcou-me a hospitalidade daquela gente. Humildes como nós, mas ricos de coração. Era o tempo da apanha do melão e nas eiras podiam vêr-se montes deles ao orvalho,que nos faziam lembrar os montes de sal nas nossas salinas. Muitos de nós provaram pela primeira vez o ensopado de borrego, que as mulheres preparavam com sabedoria. Este "pitéu" era confeccionado nuns potes de barro vermelho e era delicioso.

Depois do jantar fomos dar uma volta pela aldeia a apreciar o luar na planície. Vimos um "marmeleiro" cujas rancas carregadas de fruto penduravam para a berma da estrada e alguém se lembrou que os marmelos assados na fogueira eram bons. Se bem o pensou mais depressa o fez, e enquanto a maioria dos adultos e os mais pequeninos dormiam, nós passamos horas à volta da fogueira, ao som da viola do Estêvão e da sua voz em dueto com a São (foram por vários anos os cantadores do rancho) a cantarem uma balada cujo refrão ainda me lembro, apesar de nunca mais a ter ouvido. "No Alentejo o trigo é pão, vamos para lá, vamos ceifar..."



Travei uma vez conhecimento com um recluso da cadeia de Paços de Ferreira, o Augusto. Trocávamos correspondência através de um programa do Sr. Carlos Ruela, na Radio Porto, onde fomos uma vez entrevistados, alguns elementos do grupo. Em pouco tempo já eu tinha metade do rancho a escrever-se com ele e com outros seus colegas e rapidamente se organizou uma forma de ir-mos lá actuar, numa festa de Natal. Foi uma experiência muito interessante e enriquecedora, tanto para nós como para aqueles homens que estavam na época privados da sua liberdade.
Esse contacto continuou por vários anos e quando o Augusto terminou de cumprir a sua pena, ele que era de Trás-os-montes, a primeira visita que fez foi à Murtosa.

Podia-vos contar aqui mil e uma histórias daqueles tempos, como do dia que abalamos de manhã para Moledo do Minho e passamos o dia inteiro às voltas dentro do autocarro e regressamos à noite sem dançar, porque não conseguiram dar com a festa.
Ou do dia que fomos para Valega, concelho de Ovar, no autocarro velho da câmara, às listras verdes e brancas. O palco ficava no adro da igreja. Até aí nada de novo. O problema é que a igreja ficava lá no cimo da colina e o autocarro "fez greve" a meio da subida.
Tivemos que sair todos para fora, para o empurrar. Que entrada triunfante no recinto da festa...

Mas o ponto alto de todas as recordações da minha passagem pelo Grupo Etnográfico da Murtosa tem a ver com um dos vários festivais de folclore que organizamos. Houve um deles em que alguém teve a ideia de colocar cada rancho participante dentro de um barco Moliceiro e transportá-los em romaria ate ao recinto do festival. Embarcamo-los no cais do Chegado e foram todos a tocar e a dançar, cada um no seu barco até à praia do Bico, onde estava o palco.
Imaginem nove ou dez barcos carregados de gente trajados a rigor, a tocar e a dançar, a navegar na Ria...
Encerro aqui este "capitulo". Desculpem se me alarguei mais do que o esperado e obrigado pela paciência de lerem a minha partilha destas histórias.

3 comentários:

  1. Anónimo6/4/09

    Francisco, descreveste muito bem alguns dos aspectos vividos nesse tempo. Parabéns. O Etnográfico foi realmente uma escola de vida. Ali aprendemos o respeito, o controle, a inter-ajuda, a nossa afirmação com espaço para os outros, o sentido do pormenor, a arte, o a-vontade com pessoas de outras idades, a conviver com outra gente, a conhecer, a estimar a nossa tradição e sempre com o objectivo de a difundir. Foi pena que tivessemos de partir para outros rumos na procura de uma melhor vida, quiçá uma ilusão!... Outros ficaram no leme, mas para o manejar era preciso paixão, devoção, e nem todos nessa escola se disponibilizaram para aprender. Desfez-se o grupo mas a semente germinou na maioria dos componentes, basta olhar para os os homens e mulheres que se “assentaram” nessa escola. Muitos deles e muitas delas são homens e mulheres exemplares. A sociedade ganhou.

    Um abraço para todos os que passaram pelo Etnográfico da Murtosa, do David Silva, criador daquele rancho e que agora se encontra “exilidado” em Toronto, Canadá.

    ResponderEliminar
  2. Amigo na verdade eres unico e levas no sangue as raizes da nossa terra que lindos momentos que passei no Rancho foi os momentos mais felizes na minha joventud aprendi muito e conheci pessoas dos outros lados e coisas tao bonitas me lenbro que actuacao mas linda que passei foi cuando fomos o BArco Alemao nunca tinha entrado en um barco tao grande esse dia foi como um sonho convertido em realidade que lindos momentos que passamos no nosso Rancho folcolorico da Murtosa

    ResponderEliminar
  3. Anónimo20/11/09

    intiresno muito, obrigado

    ResponderEliminar

Obrigado pela visita. Este espaço é seu. Use e abuse, mas com respeito, principalmente por quem nos lê. Francisco